Precisamos, mesmo, ter pavor das mudanças?

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Avatares cada vez mais realistas, metaversos, realidade assistida, realidade diminuída, biologia sintética e por aí vai. 5 dias e 35 paineis depois, o que vi no SXSW 2021 pode ser, de fato assustador. 

Se olharmos o copo “meio vazio” podemos concluir: 

. que deixaremos de sermos humanos para sermos apenas dados e números; 

. que, ao sermos monitorados o tempo todo seremos, na mesma medida, qualificados de acordo com os dados da nossa saúde; 

. que nunca mais iremos a lugar nenhum a não ser virtualmente pelos headsets de VR;

. que os médicos deixarão de existir e seremos monitorados automaticamente por devices espalhados pelo nosso corpo ou até mesmo no nosso vaso sanitário (sim, existe já uma marca que vende latrinas que enviam dados automaticamente para quem for do interesse, com base em análises que faz nos nossos dejetos, por assim dizer, toda vez que visitarmos o banheiro)

No entanto, penso que tudo o que nos assusta é só uma parte de tudo o que está por vir: a outra parte é que é o lado positivo da coisa. Afinal, a mesma tecnologia que nos permite viajar sem sair do lugar e que nos ameaça perdermos o calor humano também é o que nos permitirá estar em conexão com outras pessoas com cada vez maior senso de presença, ou de permitir a diferentes gerações se conectarem (cresce, aliás, o número de idosos jogando Minecraft, muitos deles, inclusive, para divertirem-se com os netos). 

Vale lembrar que, pela primeira vez na história, a violência mata menos que os acidentes e, como seres humanos, estamos vivendo uma pandemia numa posição muito mais favorável do que os nossos ancestrais estavam em pandemias anteriores – o historiador israelense Yuval Harari falou, aliás que, “se falharmos em vencer esta pandemia, não é será por conta das leis da natureza ou da tecnologia a nosso favor. Mas, sim, por estarmos sofrendo por falta de sabedoria política”.

Foi com o Harari, aliás, um dos painéis que mais gostei de assistir no SXSW deste ano. Com o tema “Why do we fear innovation?” o painel apresentou razões pelas quais as mudanças que temos vivido, especialmente no último ano, nos deixam tão apreensivos. O fato é que, independentemente de quem sejamos, enquanto seres humanos temos medo da mudança. Afinal, mudar é inconveniente. É muito chato ter que começar tudo de novo, aprender coisas novas, principalmente porque isso sempre se apresenta a nós como algo perigoso. Harari nos chama a atenção para o fato de que, se olharmos as principais revoluções na história, quase sempre os períodos de miséria surgiram antes dos períodos de felicidade e as grandes revoluções geralmente não beneficiaram os cidadãos médios. Portanto, temos no histórico de nosso DNA este pavor de que as mudanças nos prejudiquem.

O fato é que todo este cenário disruptivo no qual atuamos – e é importante frisar de que transformações foram aceleradas pela pandemia, mas já vinham acontecendo antes dela – podem ser muito positivos para você da mesma forma com que podem ser negativos. Como exemplificou o Harari, “uma faca pode ser usada para cortar salada, para fazer uma cirurgia ou, mesmo, para matar alguém. A faca não diz a vc como você deve usá-la” e o mesmo acontece com a tecnologia.

Portanto, por mais óbvio e lugar comum que possa soar, nunca é demais lembrar que, se antigamente estudávamos até os 25, trabalhávamos até os 65 e depois aposentávamos, hoje trabalhamos com uma expectativa de vida muito maior que nos permite – e nos impõe – trabalhar por muito mais tempo. E aí, aprender constantemente  – o life long learning e o reskiling – é pré-requisito e, por que não, a principal vacina que devemos tomar para nos prevenirmos do pavor destas mudanças. 

Sinto que estamos todos fazendo história – e fazer história é cansativo. Mas, com medo ou não, a transformação acontecerá. Caberá a cada um de nós escolhermos como iremos passar por ela.

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